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~5ê Heinrich Heine, o poeta conta o sonho de um abeto isolado
que dormita sob o gelo e a neve, perdido no ermo de uma charneca
do Norte: "O abeto sonha com uma palmeira que além, muito
além, no longínquo Oriente, se desola solitária e taciturna na
encosta de um rochedo adusto." 6 Abeto do Norte, palmeira do
Sul, solidão glacial, solidão adusta*, é sobre essas antíteses que
um leitor francês deve sonhar. Quantos outros devaneios não
são oferecidos ao leitor alemão, já que em sua língua a palavra
abeto é masculina e a palavra palmeira feminina! Na árvore ereta
e vigorosa sob o gelo, quantos sonhos dirigidos para a árvore
feminina, aberta com todas as suas palmas, atenta a todas as
brisas! Quanto a mim, colocando no feminino esse habitante do
5. Proudhon, Un essai de grammaire générale, em apêndice ao livro de Bergier,
Les éléments primiti/s des langues, Besançon et Paris, 1850, p. 266.
6. Citado por Albert Béguin, L'âme romantique et le rêve, V. ed., t. II, p. 313.
* Em francês a palavra palmier (palmeira), como a palavra sapin (abeto)
são do gênero masculino. (N. T.)
32 A POÉTICA DO DEVANEIO
palmar, entrego-me a um sonhar infinito. Vendo tanta verdura,
tanta exuberância de palmas verdes saindo do espartilho esca-
moso de um tronco rude, contemplo esse belo espécime do Sul
como a sereia vegetal, a sereia das areias.
Se na pintura o verde faz "cantar" o vermelho, na poesia uma
palavra feminina pode conferir certa graça ao ente masculino.
No jardim de Renée Maupérin, um horticultor, desses que só
se encontram na vida imaginada, fez crescer roseiras nos ramos
de um abeto. A velha árvore pode assim "agitar rosas nos seus
braços verdes'". Quem nos contará jamais a história do casa-
mento da rosa com o abeto? Sou grato aos agudos romancistas
das paixões humanas por haverem tido a bondade de colocar
rosas nos braços da árvore enregelada.
Quando as inversões, de uma língua para outra, dizem res-
peito a seres de um onirismo que nos é congênito, sentimos que
nossas aspirações poéticas sofrem uma grande divisão. Gosta-
ríamos de sonhar duas vezes um grande objeto de devaneios que
se oferece sob um "gênero" novo.
Em Nuremberg, diante da "veneravel Fonte das Virtudes",
Johannes Joergensen 8 exclama: "O teu nome me soa tão belo!
A palavra 'fonte' contém em si uma poesia que sempre me emo-
cionou profundamente, sobretudo na forma alemã Brunnen, cuja
consonância parece prolongar em mim uma doce impressão de
repouso." Para apreciar o modo como o escritor dinamarquês
vivenciou as palavras, seria bom saber de que gênero é a palavra
fonte em sua língua materna. Mas já para nós, leitor francês,
a página de Joergensen perturba, inquieta devaneios radicais.
Será possível que existam línguas que ponham a. fonte no mascu-
lino? Subitamente o Brunnen me inspira devaneios diabólicos, co-
mo se o mundo acabasse de mudar de natureza. Sonhando um
pouco mais, sonhando de outra maneira, o Brunnen acaba de me
falar. Ouço o Brunnen murmurando mais profundamente do que
a fonte. Ele jorra mais suavemente do que as fontes de meu país.
Brunnen-Fonte são dois sons originais para uma água pura, para
7. Edmond e Jules de Goncourt, Renée Maupérin, ed. 1879, p. 101.
8. Johannes Joergensen, Le livre de route, tradução francesa de Teodor de
Wyzewa, 1916, p. 12.
DEVANEIOS SOBRE O DEVANEIO -' 33
uma água fresca. E, entretanto, para quem gosta de falar sonhan-
do suas palavras, não é a mesma água que sai da fonte e do
Brunnen. A diferença de gêneros inverte todos os meus devaneios.
Na verdade é todo o devaneio que muda de gênero. Mas, sem
dúvida, é uma tentação do diabo isso de ir sonhar numa língua
que não a materna. Devo manter-me fiel à minha fonte.
Se tratassem das inversões, de uma língua para outra, dos
valores do feminino e do masculino, por certo os lingüistas dariam
,um mundo de explicações para tais anomalias. Seguramente eu
teria muito a ganhar se me instruísse junto aos gramáticos. Diga-
mos, porém, o nosso pasmo de ver tantos lingüistas se desemba-
raçarem do problema dizendo que o masculino ou o feminino
dos nomes se deve ao acaso. Evidentemente, não encontraremos
para isso nenhuma razão se nos limitarmos precisamente a razões
razoáveis. Talvez fosse necessário um exame onírico. Simone de
Beauvoir parece desapontada com essa falta de curiosidade da
filologia erudita. Escreve ela9: "A filologia, nessa questão do
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